Pedras duras: os 13 blocos mais difíceis do mundo

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@daniel08s
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A primeira ascensão de um V17 (9A) deu-se em 2016, terminando uma era de 12 anos em que o grau mais alto era V16 (8C+), e para que isso se repetisse foram precisos mais de 4 anos. Desde então já tivemos duas mãos cheias de feitos similares, mas quais são então esses blocos e quem é que os escalou?

Burden of Dreams (Nalle Hukkataival)

Nos finais do verão de 2013, Marko Siivinen, um amigo de Nalle Hukkataival, numa espécie de “vê se fazes”, desafiou-o com um projeto que era demasiado difícil para sequer conseguir começar. O Lappnor Project era curto mas não era meigo: oito passos numa parede de quatro metros, com uma inclinação de 45º.

O projeto localizava-se em Lappnor, na Finlândia, o que permitiu a Nalle, filho da terra, dar-lhe total atenção. Contudo, isso não significou encerrar o projeto rapidamente… Foram necessárias milhares de tentativas ao longo de mais de 3 anos para que o projeto fosse fechado. E assim, no dia 23 de outubro de 2016, “morria” Lappnor Project e nascia Burden of Dreams.

Antes de propor V17 (9A), Nalle pesou a importância do grau. Se na escala de Hueco era apenas mais um número, na escala de Fontainebleau a subida era mais dramática, era um número novo no mundo do bloco. Por isso, depois de ter fechado vários V16 (8C+) e de muita ponderação, Nalle propôs que Burden of Dreams fosse graduado com V17. E assim surgiu o primeiro deste grau.

Lista de repetições:

  • Will Bosi - 12/04/2023
  • Simon Lorenzi - 27/12/2023
  • Elias Iagnemma - 26/03/2024

Soudain Seul (Simon Lorenzi)

Soudain, seuls conta a história de um casal que numa viagem à volta do mundo acaba numa ilha deserta. O conteúdo desta história não tem nada que ver com o bloco que Simon Lorenzi escalou, mas o livro onde esta história está contida, por outro lado, tem.

Em fevereiro de 2021, perto de Fontainebleau, em França, Simon Lorenzi, com uma cópia do livro “Soudain, seuls” presa entre a sua coxa esquerda e um knee pad, fez a primeira ascensão de Soudain Seul.

Soudain Seul acrescenta à linha The Big Island V15 (8C) um começo sentado com cerca de sete passos envolvendo bastante tensão corporal, kneebars e trabalho de pés delicado ao longo de uma aresta inclinada.

Simon Lorenzi fez a proposta de dificuldade V17 (9A), e sendo que este é um dos V17 mais antigos já houve quem o tivesse escalado e discordado do grau proposto (Nico Pelorson), sugerindo V16 (8C+). Contudo, com as ascensões que se seguiram vieram mais confirmações de V17 pelo que se mantém o consenso na proposta original.

Lista de repetições:

  • Nico Pelorson - 16/03/2021
  • Camille Coudert - 12/02/2022
  • Adam Ondra - 08/02/2025

Return of the Sleepwalker (Daniel Woods)

Em 2018, Daniel Woods repetiu a ascensão de Jimmy Webb no bloco Sleepwalker V16 (8C+), um mês depois da sua abertura. Pode assumir-se que não ficou satisfeito, pois em 2021 regressa a esta pedra de estética apelativa em Red Rock, no estado norte-americano do Nevada, para acrescentar mais um ponto a este conto.

A ideia de Daniel? Adicionar seis passos, começando com um sit start, ao já existente V16. Durante três meses de pura dedicação adotou uma mentalidade straight-edge, e ao terceiro mês praticamente se tornou um eremita. Não obstante os obstáculos físicos e mentais que esta luta lhe trouxera, tanto pela dificuldade da escalada como pela solidão sentida, a 30 de março de 2021 o processo termina e Daniel Woods estabelece o primeiro V17 (9A) em solo americano, Return of the Sleepwalker.

Lista de repetições:

  • Will Bosi - 20/02/2024
  • Noah Wheeler - 01/01/2025
  • Simon Lorenzi - 10/03/2025

Alphane (Shawn Raboutou)

A linha que se viria a chamar Alphane V17 (9A) já era conhecida desde o início deste milénio. Dave Graham descobriu-a na altura em que escalou Alphane Moon V11 (8A), que fica à sua direita e serviu de inspiração para o nome. Tendo em conta que, à época, o máximo que se escalava era V15 (8C), esta linha, encontrada num bloco granítico em Chironico, Suíça, teve de esperar que alguém capaz de coisas sobrenaturais nascesse, e lhe desse a devida dedicação… Falamos de Shawn Raboutou.

Depois de ter experimentado o bloco pela primeira vez, em outubro de 2021, e de ter ficado tão inspirado que não o conseguia tirar da cabeça, decidiu voltar em janeiro do ano seguinte. O processo envolveu muita tentativa e erro, muitos pés-de-gato rebentados e vários meses, até que no dia 6 de abril de 2022, Shawn conseguiu finalmente aguentar os mais de 20 passos necessários para subir ao topo de Alphane.

Lista de repetições:

  • Aidan Roberts - 19/10/2022
  • Will Bosi - 31/10/2022
  • Simon Lorenzi - 15/12/2022
  • Jakob Schubert - 21/12/2023
  • Sean Bailey - Final de 2024

Megatron (Shawn Raboutou)

Inspirado pelo mega-projeto que encontrara e pelo seu camaleão de estimação, de nome Megatron, Chad Greedy decidiu homenageá-lo dando o nome do bicho ao projeto Megatron Project em Eldorado Canyon, um parque estatal no Colorado, nos EUA.

Em 2017, uma versão mais curta deste projeto, em stand start, foi escalada pela primeira vez por Daniel Woods, que a cotou em V14 (8B+) e a denominou de Tron. Foi desde então que vários escaladores se aventuraram no Megatron Project, mas os primeiros sinais de que seria resolvido só surgiriam em 2021. Entretanto, juntou-se mais uma figura de relevo ao grupo de aventureiros: Shawn Raboutou.

No final de 2022, após muito secretismo, os rumores de que Shawn teria feito dois V17 (9A) tornam-se realidade quando o próprio anuncia que, pouco depois de ter fechado Alphane, tinha também concluído Megatron V17.

Lista de repetições:

  • Hamish McArthur - 21/04/2025

L'Ombre du Voyageur (Charles Albert AKA “Barefoot Charles”)

O Mogli francês, Charles Albert (também conhecido por Barefoot Charles), encontrou numa gruta na montanha Salève, em França, um projeto ao seu gosto: místico e de viabilidade incerta.

Este projeto foi primeiramente descoberto pelo suíço Elie Chevieux, que o apresentou ao francês Morgan Boissenot, por volta de 2006. Dada a dificuldade do problema, este não perdeu muito tempo a tentar resolvê-lo, mas, em 2019, quando se tornou amigo de Charles, e conhecendo o seu apetite por coisas impossíveis, mostrou-lhe a linha: uma fissura num teto de calcário com uma dúzia de metros.

Charles enamorou-se logo e rapidamente abriu Voyageur Face à la Mer de Nuage V13 (8B), uma linha que começa a meio da gruta. Em todos os verões que se seguiram, Charles marcava presença e, no seu estilo habitual, sempre descalço e praticamente sem crashpads, ia fazendo progressos neste projeto.

Em 2023, depois de uma transformação que o desassocia da personagem Mogli, Charles aparece agora de cabelo cortado e anunciando que já não vive numa gruta. Além dessas mudanças, Charles chega ao final do verão a sentir que está próximo de resolver o projeto e decide que a luta anual ainda não estava terminada. Em outubro, num dia que começou com chuva e após esperar duas horas para que esta parasse, Charles Albert agarra-se ao teto da gruta e só o larga para continuar a subir no exterior da montanha até ao cume de L'Ombre du Voyageur V17 (9A).

Embora Charles já tenha visto uma proposta sua de V17 ser downgraded (No Kpote Only), teve em consideração que os próximos escaladores desta linha poderiam ter mais facilidade usando pés-de-gato e knee pads, mas mesmo assim deu-lhe essa cotação pois acredita que da forma que a escalou se aproxima mais de um V18 (9A+).

Vídeo disponível em:


Spots of Time (Aidan Roberts)

Numa das suas incursões à Suíça, Aidan Roberts recebeu imagens de um bloco em Lake District, Inglaterra, enviadas pelo britânico John Hartley. Se o facto de o bloco ficar a quinze minutos da casa de Aidan não fosse razão suficiente para o experimentar, teve também a informação do seu amigo Dan Varian de que o problema era bastante intenso nos dedos e de que seria algo que iria gostar bastante.

Quando regressou a casa, Aidan ficou impressionado com o bloco. Descreve-o como um achado incrível, uma pedra muito compacta e sem presas que permitam descansar, ao contrário da generalidade das pedras em Hellvellyn (montanha onde se encontra o bloco) que estão cheias de presas.

Hellvellyn Project foi o nome que Aidan deu a este projeto que lhe viria a exigir muito foco, mas que também lhe abriria os olhos para os benefícios de um projeto local. Foram precisas dez sessões para encontrar uma sequência de passos que funcionasse, outras tantas para refinar movimentos e começar a acreditar que seria possível fazê-lo, treinos em paredes com presas de plástico nos dias de chuva e mais sessões no bloco em dias de sol.

Em fevereiro de 2024, agradecendo à natureza por lhe oferecer este projeto, Aidan termina-o e vê a relação com a sua terra natal renovada e o sentimento de procura por felicidade através de aventuras alterado. Com o encerramento de Hellvellyn Project, recordando todo o processo e experiências que este lhe proporcionou, Aidan Roberts dá-lhe o nome de Spots of Time e, meses depois, o grau de V17 (9A).

Lista de repetições:

  • Will Bosi - 19/10/2024

Arrival of the Birds (Aidan Roberts)

Não estava nos planos de Aidan Roberts fazer o FA de um V17 (9A) quando aterrou na Suíça, em 2022. Mas, depois de Giuliano Cameroni lhe falar sobre uma linha que se focava naquilo que mais gostava, a força de dedos, viu-se agradavelmente obrigado a iniciar um projeto, e chamou-lhe Midnight Project.

Segundo Aidan, a linha do Midnight Project é uma parede inclinada a 30º, vidrada, com pouca fricção e ainda menos presas, mas com alguns buracos que são usados como pequenas regletes. Por tudo isto, explica, os passos têm de ser lentos, dada a precisão necessária nas presas, e é precisa muita tensão para conseguir gerar força a partir das presas de pés que, para além de pequenas, ficam muito afastadas. Não é, portanto, de admirar que o britânico tenha nomeado esta linha como a mais intensa que já fez no que toca a dedos, na medida em que a circulação sanguínea ficava de tal forma comprometida, que dizia não os sentir depois dos pegs.

Depois de uma queda na reta final do bloco, no último dia da sua estadia, em 2023, Aidan regressou um ano depois e, pouco depois de terminar o Hellvellyn Project, fechou o Midnight Project tendo ainda acrescentando alguns passos, num começo mais baixo. Uns meses mais tarde, Aidan Roberts anuncia que concluiu Arrival of the Birds - nome que invoca a música homónima, dos The Cinematic Orchestra, que lhe fez companhia durante o processo -, e sugere V17 como o grau de dificuldade.


Shaolin (Sean Bailey)

Ao lado de Trieste V14 (8B+), em Red Rock, Las Vegas, nos EUA, encontra-se uma linha que foi apadrinhada de Trieste Project e foi em 2020 que alguns escaladores - Shawn Raboutou, Daniel Woods, Jimmy Webb, Drew Ruana e Sean Bailey - se começaram a esforçar para a resolver.

Numa rocha de inclinação acentuada, Trieste Project consiste numa sequência de passos iniciais com uma dificuldade à volta de V13 (8B) e outra sequência de, basicamente, dois passos com uma dificuldade a rondar V16 (8C+). O primeiro passo do crux tem dois betas possíveis: de forma estática recorrendo a um lock-off duríssimo no ombro direito que, segundo Sean Bailey, causa um desgaste enorme e não deixa muita energia para várias tentativas no mesmo dia; ou com um salto de baixa percentagem de sucesso dada a precisão necessária para acertar com a mão esquerda numa pequena fenda aplatada e dada a força e tensão necessárias para não sair a voar posteriormente. O segundo passo do crux consiste num salto, também, para um áplate, mas desta vez, com a mão direita.

Há cerca de um ano, Shawn Raboutou ponderava se este seria o bloco mais difícil que já tinha escalado e embora já tivesse feito os passos do crux, foi Sean Bailey que, salto após salto, fechou o Trieste Project e deu vida a Shaolin, o terceiro V17 (9A) em solo estadunidense.

Lista de repetições:

  • Noah Wheeler - 07/04/2025

No One Mourns the Wicked (Nathaniel Coleman)

No interior da Floresta Nacional de Pike, no estado de Colorado, encontra-se um dos blocos mais carismáticos dos EUA: Defying Gravity V15 (8C). Inicialmente escalada por Daniel Woods, em 2013, e um ano depois por Jimmy Webb, esta linha viu nos últimos anos o seu maior número de ascensões: cinco entre 2023 e 2024.

Desta lista de recentes ascensionistas destaca-se Nathaniel Coleman, que, tendo em conta a dificuldade do crux deste problema - considerado por muitos como um dos passos mais difíceis no mundo -, ficou motivado a descobrir se conseguia decifrá-lo de forma a executá-lo com sucesso consistentemente.

Segundo o mesmo, depois das primeiras oito sessões para fazer o passo, foram necessárias mais catorze para o perceber, mas agora que sabia todos os detalhes para resolver este crux só lhe restava uma coisa... Começar o bloco mais abaixo e mais à direita - uma sequência de passos à volta de V13 (8B) - até se ligar à linha já existente. Assim o fez, e em finais de 2024, Nathaniel Coleman consegue ligar todos os passos e abrir No One Mourns the Wicked V17 (9A).

Lista de repetições:

  • Hamish McArthur - 04/05/2025

The Big Slamm (Elias Iagnemma)

A primeira proposta de um V17 (9A) em Itália surge no início de 2025, por Elias Iagnemma. Depois de escalar Burden of Dreams, Elias apresenta-nos The Big Slamm.

Este bloco encontra-se em Tintorale, na região de Abruzzo, e a sua dificuldade deve-se aos passos, mas também às condições que o envolvem. Numa zona onde a humidade costuma estar alta, dada a proximidade à água, e com uma rocha de arenito, onde todo o cuidado é pouco para não a danificar, nem sempre é possível fazerem-se sessões de escalada.

Elias descobriu este bloco cerca de dois anos e meio antes de o fechar, e dedicou-lhe 35 sessões no último ano e meio para conseguir ultrapassar todas as dificuldades físicas, mentais e atmosféricas. Terminando este processo, Elias deixa o convite à comunidade escaladora para visitar o sul de Itália e experimentar esta sua criação.


Mount Doom (Nicolai Užnik)

É na Áustria que se encontra o mais recente V17 (9A). Chama-se Mount Doom e consiste numa extensão de Hide and Sick V14 (8B+). Pela descrição do seu primeiro ascensionista, Nicolai Užnik, é muito “crimpy” e intenso e contam-se cerca de oito ou nove novos passos, sem possibilidade de descanso, até se chegar ao problema já existente.

Nicolai fez a versão de começo em pé, Hide and Sick, em 2020, e começou a projetar Mount Doom em 2021, ano em que foram precisas muitas sessões até que percebesse os passos. No inverno de 2024 tinha o beta aperfeiçoado e no início de 2025 já conseguia fazer a sequência até chegar ao início de Hide and Sick. Rapidamente, começou a fazer tentativas para ligar toda a linha e após algumas sessões, tantas quanto os passos que adicionou, conseguiu fechar Mount Doom, em Maltatal, na Áustria.


Blackflip Sit (Vadim Timonov)

Em maio de 2023, Vadim Timonov, na sua conta de Instagram, anunciou Blackflip Sit como um V16/V17 (8C+/9A), mas no seu registo de ascensão na plataforma 8a.nu marcou-o como V17. Explica ter feito isto por sentir que era mais difícil que todos os V16 que já tinha tentado e, embora esperançoso que esta seja a dificuldade real do problema, mostra-se disposto a aceitar críticas sobre a sua avaliação. Diz-nos também que Blackflip - versão de começo em pé - é um dos blocos V15 (8C) mais difíceis desse grau e que lhe acrescem cinco passos na versão de começo sentado.

Dada a localização do bloco - Rússia, cordilheira do Cáucaso, na área de Djan-Tugan - pode ainda demorar bastante até que alguém confirme ou negue o grau proposto, contudo, tendo em conta que esta lista inclui vários blocos sem repetições, não faria sentido excluí-lo.


Agradecimentos: João Figueiredo, pela fotografia para a capa deste artigo.


Nota editorial: Este artigo reflete a informação existente à data da sua publicação.

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