André Rainha: Gostava que, no futuro, a Creme fosse todo um ecossistema





As semelhanças entre as presas da Creme e peças de arte não é coincidência. André Rainha estudou Arte e Design em Coimbra, e trabalhou quase dez anos numa fábrica de estatuária, antes de lançar a Creme. Hoje, uma marca de presas, no futuro, André gostava que o nome abraçasse mais vertentes ligadas à modalidade, como um centro de treino ou até um rocódromo.
Sempre fui virado para as artes e a ilustração. Fazia muitas pinturas para arte de rua, fiz uma série de exposições quando tinha 20 anos. Estudei Arte e Design, em Coimbra. Eventualmente, deixei a faculdade e tive de arranjar trabalho. Trabalhei em restaurantes e depois arranjei um trabalho numa fábrica de estatuária. Fazíamos arte sacra, peças de artes decorativas para casas, mobiliário.
Comecei a escalar em 2014 ou 2015. Sei que foi dia 13 de outubro, porque fui a um jantar, e o meu grupo de amigos da Maia anda, ou andava, todo de skate – é daí que nos conhecemos. Fomos ao jantar de uma amiga nossa e eles estavam a dizer que estavam a escalar no Clube de Escalada de Maia e eu “ah, pronto, então amanhã eu vou convosco”. Fui e gostei daquilo. O clube era mesmo ao lado de minha casa. A certa altura tinha um full time, trabalhava e depois ia treinar, e estava muito motivado.
Tive projetos virados para o empreendedorismo que não correram tão bem, mas aprendi muito. Cheguei a falar com o meu patrão que os materiais com que trabalhávamos eram os mesmos que se usavam na escalada, e ele até ficou interessado em fazer presas, mas havia pouco ginásios na altura, e aquilo não avançou. Depois, com um amigo e o meu antigo patrão, surgiu a ideia de abrir um ginásio. Mas também não andou para a frente, e eu acabei a sentir-me angustiado. Então, decidi avançar com as presas. Fiz os primeiros protótipos, na empresa, nas horas extra, e percebi logo que estavam bastante boas. Entretanto, o meu quarto já estava cheio de caixas de ferramentas e máquinas. Só conseguia chegar ao guarda-fatos e à cama, não conseguia mexer-me em mais lado nenhum. Percebi que tinha de arranjar um espaço, e fui para um estúdio partilhado com quase 30 pessoas. Nem toda a gente gostava do cheiro da resina e a minha mesa era um espaço de 3 metros por 4 que eu estava a dividir com uma amiga. Não dava para quase nada, mas foi assim que começou [a Creme], no fim de 2019.
As primeiras presas que eu fiz, de vários moldes, foram para o [Campeonato] Europeu. Houve vários routesetters de fora que viram e gostaram muito, e isso deu-me ânimo. Fui a uma feira na Alemanha, onde estão todas as marcas. Fui aos stands dizer o que fazia. A receção foi brutal. Eu estava num estúdio de 5 por 4 metros, e falei com todas as marcas grandes, disse-lhes que podia fabricar para eles. Na altura, duas das maiores marcas estiveram mesmo quase a fabricar comigo. Depois não aconteceu, mas era nítido que havia interesse. A Luísa Xavier Sans, a minha esposa – criadora do São Rock e sócia na Creme – sempre foi um enorme apoio, e também trouxe o Daniel Magalhães para a sociedade – sócio no São Rock – e no momento que falámos sobre mudar de sítio, este armazém [ao lado do São Rock] ficou livre. Isto estava um caos. Fizemos obras, e muita gente ajudou. Ainda ajudam hoje. O Rui Nó é um dos que mais apoio dá nessa ajuda diária. Nessa altura, ainda não tinha nenhum cliente. Até que, mais ou menos, acabamos as obras. Isto foi em junho de 2023. Vim para aqui em agosto de 2022. Estivemos em limpezas até janeiro de 2023. Em julho, conseguimos um cliente, que é a Routesetter House, em Barcelona. Eventualmente, conseguimos outros dois clientes, um americano, e outro alemão. Mais recentemente, começamos a colaborar com a Flathold, numa série de volumes mais sofisticados, e noutros modelos novos que serão apresentados no futuro. Neste momento, são quatro clientes, e a Creme, que está em standby porque não tenho mãos a medir. O plano é retomar a Creme como marca o quanto antes.
Sempre achei o conteúdo [gráfico] das marcas de escalada, assim muito horrível. Tens a Flathold, que tem pouco conteúdo mas é incrível. No caso da Creme, eu não queria que fosse igual ao das outras marcas. E tenho muita sorte de ter grandes amigos que são grandes artistas, designers, fotógrafos e videomakers, e que me ajudam sempre. É um apoio brutal. Muitas vezes, eles – o Mesquita, o Luís Moreira, o João Monteiro, o Daniel – têm livre-trânsito para fazer o que querem. Às vezes, eu quero algo concreto, outras vezes deixo-os totalmente livres, porque posso estar um bocado biased, e vou-lhes pedir uma certa ideia que vai de acordo com um padrão que eu já vi. Assim que conheci o Miguel Mesquita, quis que fosse ele a desenvolver o design, porque ele não tem nada a ver com a escalada, e isso para mim era uma vantagem.
Eu não sabia que nome dar à coisa, mas sabia que queria algo que fosse satisfatório, ou que desse uma ideia de satisfatório, smooth e que fosse fácil de soletrar em qualquer língua, e achei que Creme ficava bem. Que desse também, de certa forma, uma ideia de conforto. E que as presas dessem a ideia de algo smooth e confortável. Sexy, até. Ainda há novas ideias por explorar, e novos shapes, materiais e processos para evoluir, e é entusiasmante poder criar estas novas formas e trabalhar com elas.
Quando fiz o meu primeiro shape, estava a mandar mensagens a um amigo, a perguntar o que ele achava. Quando eu terminei, passado uma semana, houve uma marca muito grande que publicou uns desenhos 3D, e eram assustadoramente parecidos. Depois de muito trabalho, a marca conseguiu pôr aquilo nos campeonatos do mundo. Ainda bem que eu não continuei a coleção, porque eles iam ter um conjunto de presas exatamente igual ao nosso.
Gostava que, no futuro, [a Creme] fosse todo um ecossistema. Se aqui fazemos presas, quando formos para um sítio maior, se calhar podemos ter um centro de treino. Se for um sítio muito maior, pode existir um ginásio comercial. Ou, se for muito maior, pode ter uma espécie de serviço hoteleiro, em que as pessoas vêm e treinam lá. E que toda a gente que queira fabricar presas, ou trabalhar para ter a sua própria marca, quer seja routesetter, treinador ou atleta, que possa num sítio só, disponibilizar ferramentas de forma a que possam ter uma carreira na escalada.
Edição de @anaatthecrag
Fotografia de @claudiacruzart
Podes conhecer mais sobre a Creme no site cremeclimbing.com e no instagram