Ratonar: cinco dias de escalada e muito mais, em Castelo de Paiva



O Ratonar Fest regressa em julho, para a maior edição de sempre, com escalada desportiva, bloco, highline, waterline, slackline, workshops, caminhadas, stand up paddle, música e uma área de comida e vinhos. De 16 a 20 de julho, o epicentro do evento será na Zona de escalada do Ratão, em Castelo de Paiva, e as restantes atividades, bem como a zona de campismo, terão lugar numa quinta privada com acesso ao rio Paiva, a quinta de Coscovilhoz. Pela primeira vez, graças à oferta acrescida e às condições melhoradas, o acesso ao evento faz-se com bilhete (à exceção da zona de escalada). Falámos com João Pedro Dias e Ricardo Vieira, responsáveis pela organização do Ratonar, sobre a evolução deste evento único na zona Norte, que começou como um encontro de amigos, em 2022.
Ana: A maior edição do Ratonar chega já em julho, com cinco dias. A que se deve este aumento?
João: Aumentámos o número de dias, e com isso enriquecemos a oferta, quisemos abrir um bocado o leque e não nos centrarmos apenas na escalada e no highline. Vamos ter atividades relacionadas com o local, com a natureza, com a própria escalada, highline, workshops, atividades musicais, caminhadas, stand up paddle — nós pensamos em todo tipo de atividades que nos permitem tirar partido da zona, mas que não sejam demasiado agressivos para o local.
(Highline na última edição do Ratonar Fest)
Ana: É por toda esta oferta que, pela primeira vez, a entrada é paga?
João: A quinta onde nós vamos fazer o festival é um espaço de 3,5 hectares, dividido em socalcos, desde a estrada até ao rio, onde há uma praia e uma lagoa enorme, ótima para o pessoal dar uns mergulhos. E tem muita zona de sombra. Vamos conseguir ter lá tudo — as casas de banho e a zona para concertos e DJs, zona de workshops, praia, etc. —, mas tendo esse recurso, é inevitável aumentarmos a oferta. E isso traz-nos despesas que vamos tentar mitigar com a venda de passes. Os passes diários são a 12,50 euros e os gerais a 30 euros em pré-venda, ou 40 euros após a pré-venda, mas tendo em conta a oferta que as pessoas terão, acho que é residual. É o que se paga atualmente num campismo. E não estamos a falar nas atividades, que serão gratuitas para quem tiver bilhete. Quem comprar o passe diário, vai ter acesso às atividades do dia e a um dia de campismo, também.
Ana: E houve muito investimento, de tempo e dinheiro.
João: Houve investimento na limpeza da zona, na preparação da parede, na limpeza da parede, na instalação do material na parede, no aço. Tivemos a ajuda de algumas entidades, como a Câmara Municipal de Castelo de Paiva, que entrou com algum dinheiro para nos ajudar com os custos. Uma via com cerca de 25 metros pode custar mais de 150 euros, uma vez que usamos sempre material certificado da mais alta qualidade. Isto sem falar na mão de obra, no desgaste de material, nos consumíveis e de muita ajuda de amigos e conhecidos que nos foram ajudando sempre que podiam.
Ricardo: E é preciso material para fazer isto, máquinas de furar, máquinas de soprar para fazer as limpezas, baterias, resinas, brocas, escovas...
João: E são zonas que requerem manutenção regular. Não é só equipar e deixar estar. Aquele tipo de setor obriga-nos a ter alguns cuidados durante todo o ano. Por exemplo, este ano, já desenvolvemos uma série de atividades de limpeza de mato e recolha de lixo, assim como de limpeza da própria parede, uma vez que com tanta chuva, cresceu imenso musgo. Para o espaço estar agradável e para ser bom escalar lá, é preciso que haja alguma preocupação com a manutenção das infraestruturas do próprio ambiente.
(João Pedro Dias a preparar a zona de escalada do Penedo Ratão)
Ana: Pela primeira vez, vai haver uma prova de escalada, a Rat Hunt. De que se trata?
João: O objetivo do Rat Hunt não é desenvolver uma competição aferroada, é criar um ponto de interesse, e também, de alguma forma, chamarmos a competição para a escalada em espaço exterior — uma coisa que pouco ou nada existe por cá. Temos o exemplo do rally escalada do El Chorro, em Espanha. Queremos puxar essa filosofia, que achamos interessante e produtiva para a modalidade, não só aqui mas também para outros locais do país. E vamos tentar inserir-lhe uma componente mais associada à proteção ambiental e à preservação dos habitats.
Estamos a criar um percurso pela zona do rio, para integrar as pessoas na natureza, habituá-las à questão dos trilhos e usufruírem do espaço natural. Há ali algumas áreas infestadas com espécies invasoras, como acácias, que vão ser alvo de intervenção nossa ainda este ano, esperamos. Já eliminámos algumas, mas também temos esse objetivo no futuro. Portanto, o Rat Hunt acaba por ter todo um conceito não só de competição, mas também esta questão da natureza e a competição na natureza, que nos parece relativamente inovador.
Ana: E como vai funcionar a Rat Hunt?
João: É uma prova de resistência, dividida em dois dias. Duas manhãs, ou seja, seis horas seguidas em cada um dos dias, em que os participantes — cordadas de dois — que escalarão em equipas masculinas, femininas ou mistas, terão acesso, meia hora antes do início da prova, a um guia com as vias selecionadas para esse dia, e com a pontuação atribuída a cada uma das vias. Depois terão que cumprir o regulamento de normas de segurança para se inscreverem e aceitar os termos de normas de pontuação.
(Banhistas junto ao rio Paiva na última edição do Ratonar Fest)
Ana: A inscrição será independente do bilhete.
João: As inscrições são pagas porque os prémios são realmente bons. Haverá cordas, grigris, arneses, t-shirts, estadias em hotéis, vouchers de lojas conhecidas de equipamento outdoor e de escalada, entre outras ofertas.
Ana: Outra das novidades deste ano é o calendário de workshops. O que me podem dizer sobre eles?
Ricardo: Vamos ter workshops de ioga, acro ioga, de produção e fabricação de instrumentos musicais com materiais encontrados no ambiente e no lixo, e outros um bocadinho fora da caixa. O objetivo é fazer uma espécie de jam session com os instrumentos que vão ser produzidos lá.
Ana: E o que vão ter na zona de alimentação?
João: Duas pessoas — três, eventualmente — vão estar responsáveis pela comida, que é o Miguel, do Climbfuel, e o André, proprietário do Aquapura e membro da organização e da Alcateia Paivense. Ele estará no Ratonar a representar o seu bar e vai promover provas de vinhos. Queremos promover o vinho local, porque Castelo de Paiva faz parte da região de produção de vinho verde. Vamos ter também uma pessoa que tem um projeto de produção de tremoços biológicos – a Agrinemus – e o Miguel vai introduzir alguns ingredientes desta marca nos seus pratos.
E é nessa onda que nós queremos trabalhar, é com sinergias entre as pessoas que lá estão, sejam elas participantes, responsáveis por workshops, e até mesmo malta da organização e convidados. As pessoas também têm uma certa liberdade para mostrar o que sabem e nós temos o espaço para a malta se divertir.
Ana: E quanto aos concertos e DJs?
João: São amigos nossos. Vamos ter, por exemplo, DJs que são pessoas conhecidas da rádio, nomeadamente o Isidro Lisboa e o Emanuel Damas, uma jam session de paivenses que se reúnem habitualmente no Centro Comercial STOP e tocam de improviso. Vamos ter os Regletes, e um amigo nosso que é construtor de instrumentos musicais.
Ricardo: O objetivo é termos malta que passe música para criar ambiente, para o pessoal poder usufruir e desfrutar, mas não é esse o nosso foco.
(O Ratonar Fest para além de escalada desportiva também inclui bloco)
Ana: O Ratonar começou como um encontro entre amigos. Como é que evoluiu ao longo dos anos?
João: Em 2021, iniciamos a limpeza e equipagem na zona de escalada do Ratão, no setor Penedo Ratão. Começámos a preparar o setor, e quando chegou a altura do verão, as pessoas que ajudaram, acabaram por se juntar a nós. Foi quase um ajuntamento de pessoas que iam escalar à rocha. A partir de 2022 é que nos juntámos para fazer o meet-up. Não tínhamos um nome sequer, só a partir dessa altura é que lhe começámos a chamar Ratonar. Em 2022, começámos a organizar-nos no fim de semana da Feira do Vinho de Castelo de Paiva. E definimos essa data como a data do encontro do Ratonar, lá no meio do Ratão. Começou com 15 pessoas, depois triplicou e continuou a aumentar até que no ano passado estiveram à volta de 300 pessoas.
Ana: Quem é que vos ajudou?
João: Amigos, pessoas que colaboraram também na limpeza e na preparação daquela zona. São pessoas que já vinham da preparação de outras zonas de escalada em Castelo de Paiva, como o Penedo Lastrão, que começamos a equipar em 2020, e em 2024 ainda equipámos lá vias. Essencialmente, foram pessoas que trabalharam também nos outros sectores. Eu, o Ricardo, o Sérgio Oliveira, a Eva, o Zé, entre outras. E pessoas que não escalavam e que depois até acabaram por dar um pezinho na escalada. Também tivemos o apoio do SlacklinePorto, nomeadamente do Alan Wilian, que conheceu o setor do Ratão ainda estava ele na sua fase de preparação. O Alan fez parte da primeira edição do evento como Ratonar e com ele trouxe a modalidade do highline.
Ricardo: Sim, foi curioso — havia muita gente que não escalava, mas acabaram por se deixar levar no espírito. As coisas encadearam-se umas nas outras e o pessoal começou a “arrastar-se” uns aos outros e foi daí que começou precisamente esse convívio e que surgiu a ideia de tornarmos aquilo em algo mais.
(Preparação da zona de escalada do Penedo Lastrão)
Ana: O Ratonar é, de certa forma, uma tentativa de convidar as pessoas a experimentar a escalada em rocha?
João: É um sentimento ambivalente porque, inicialmente, queríamos chamar as pessoas dos rocódromos — e ainda queremos —, mas, o que vemos que está a acontecer, é que essas pessoas não estão a fazer uma transição devidamente acompanhada. Neste caso, a responsabilidade e o dever até é mais dos clubes. Talvez um pouco dos rocódromos, que também têm responsabilidade pelas pessoas que começam lá. Têm responsabilidade, mas não obrigação, em promover as boas práticas e as normas de segurança, caso as pessoas queiram fazer a transição para a rocha.
Ou seja, inicialmente, sim, mas nos últimos dois anos, assistimos a um boom e a um descontrolo total. Falo de Poios. Eu conheci aquilo calmo — e não era de ter poucas pessoas, era porque havia respeito pelas pessoas que lá estavam —, e hoje em dia chegamos ao ponto de as pessoas irem de propósito a Poios, e voltarem para trás, porque se tornou desconfortável para quem estava habituado a um tipo de sossego que, com a massificação, começa a desaparecer. Há ainda a questão da preservação do local, e o reduzir ao mínimo o impacto e a pegada, coisa que efetivamente é incompatível com alguns comportamentos aos quais assistimos regularmente. Nisto, todos nós somos agentes da preservação e devemos, sim, alertar para quando alguma coisa não está correta, como deixar lixo, atirar beatas para o chão, dejetos de animais, etc.
Com isto, queremos que as pessoas saiam do rocódromo e experimentem a escalada em rocha, mas que o façam sempre acompanhadas por alguém que tenha conhecimento ou experiência para o fazer. Que o façam também com consciência que os locais onde se pratica escalada outdoor são por norma locais na natureza e que devem ser mantidos e preservados ao máximo. E nós somos os primeiros a disponibilizarmo-nos para fazer um top-rope, por exemplo. É importante que quando as pessoas saem do rocódromo, tenham consciência para onde vão.
Ricardo: O Ratonar não surgiu com essa missão de base, mas acaba por ter essa responsabilidade e essa consciência, ao puxar as pessoas para fora dos rocódromos e ao tentar instruí-las, porque é um evento de escalada. Um evento de escalada, que é organizado por pessoas que escalam, tem sempre esse sentido de responsabilidade.
Para compra de bilhetes ou mais informações sobre o festival, podem consultar o site oficial do Ratonar Fest.
Agradecimentos:
João Pedro Dias e Ricardo Vieira, pelo tempo e pelo conteúdo fotográfico dispensado para esta entrevista.
The North Wall, pelo espaço cedido para esta entrevista.