Hazel Findlay: “Há algo profundamente recompensador em dançar com o medo”



Aos seis anos começou a ser cravada pelo cinzel acutilante das falésias do País de Gales. Três décadas depois, dispensa apresentações em qualquer falésia do mundo. Destacam-se as primeiras repetições femininas da Golden Gate e da Pre-Muir Wall no El Cap, assim como da Magic Line ainda no vale de Yosemite. Dentro das primeiras ascensões, destaco a Tainted Love, em Squamish, onde também se tornou a primeira pessoa a escalar em livre a Adder Crack. Podia passar este belo dia de feriado a falar do currículo dourado de Hazel Findlay, mas seria um desperdício da vossa largura de banda. Não encontrariam nada aqui que não exista já no histórico do vosso browser.
As questões que quis abordar transcendem os seus feitos. Hazel tem estudado temáticas relacionadas com a psicologia e a preparação mental no âmbito da escalada, e mais recentemente, tem dedicado o tempo a partilhar tudo o que tem aprendido no seu processo de maternidade, enquanto escaladora. Gostaria de destacar o artigo e guia que escreveu para a Black Diamond, referenciado no final da entrevista, e que foi o mote inicial para esta conversa.
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(© DR - Day Canyon, Uath, EUA - Crédito: Cameron Maier)
És conhecida na comunidade pelas tuas ascensões, mas também pelo teu interesse na psicologia e na gestão do medo no âmbito da escalada. Acreditas que os teus primeiros dias nas falésias de Pembrokeshire com o teu pai tiveram algum papel nisso?
Definitivamente. Aqueles primeiros dias a escalar com o meu pai em Pembrokeshire moldaram-me em grande parte — como escaladora e como pessoa. Aqueles setores junto ao mar têm um ambiente altamente selvagem, aventureiro e intimidante, por isso aprendi a gerir bem o medo desde cedo e a adorar a aventura. O meu pai sempre me apoiou, mas nunca me pintou as coisas de cor-de-rosa; confiava em mim para tomar as minhas próprias decisões e ter autonomia, e isso deu-me uma base forte de autoconfiança e consciência do risco.
Penso que esse ambiente plantou as sementes para o meu interesse posterior pela psicologia da escalada. Na altura, não tinha a “linguagem” para isso, mas já estava a aprender como a mentalidade e o controlo emocional influenciam o desempenho. E, provavelmente ainda mais importante, já gostava da sensação de estar completamente presente — algo que hoje conheço como um estado de alma. Esse amor pela presença, pelo desafio, por aprender a trabalhar com o medo em vez de lutar contra ele — claramente começou aí.
(© DR - Conception 5.13, Day Canyon, Utah, EUA - Crédito: Cameron Maier)
A maior parte das tuas ascensões mais memoráveis são em vias de clássica, que se destacam não só pela dificuldade, mas também pelo desafio mental imposto por proteções precárias ou runouts assustadores. Quão importante é o desafio mental para a tua realização pessoal?
O desafio mental tem sido sempre uma das partes mais gratificantes da escalada para mim. Gosto mesmo do processo de perceber como manter a calma quando tudo dentro de ti te diz para entrares em pânico. Há algo profundamente recompensador em dançar com o medo, navegar essa linha entre o controlo e o caos, e sair do outro lado mais forte e mais consciente de ti mesmo. Mas não acho que precise de escalar vias perigosas para encontrar isso. Gosto de pensar que estive sempre “segura”. Para ser sincera, não acho que tenha uma tolerância muito maior ao risco do que a maioria das pessoas.
Para já, não sei bem como ser mãe alterou a minha relação com o risco. Não perdi o desejo de fazer vias difíceis e arejadas, mas só o tempo dirá se estou menos disposta a tolerar perigos evitáveis ou se continuo motivada a fazer as vias que me parecem mais arrojadas.
(© DR - Impact Day E8/6c, Pavey Ark, Inglaterra - Crédito: Hans Radetzki)
O que aprendeste, como escaladora, no teu processo de maternidade?
Imenso. Primeiro de tudo: que todas as mães, escalando ou não, são super-heroínas. A maternidade destruiu e reconstruiu-me de maneiras que não esperava. Como escaladora, ensinou-me muito sobre os conceitos de aceitar, render-me, ter paciência e abraçar ciclos. Tornou-me mais flexível, mais compreensiva comigo mesma — e também acho que estou muito mais motivada quando há uma oportunidade para dar o máximo de mim.
Penso que só agora, percebi o quanto de resiliência emocional e treino mental eu tenho, e como isso se pode aplicar à parentalidade: gerir o stress, aceitar o desconforto, cultivar várias mentalidades como a positividade, abundância, mentalidade de crescimento e manter o foco mesmo quando tudo parece caótico.
E talvez o mais importante, ajudou-me a aprofundar o porquê de escalar — não para estar sempre no meu melhor, mas para continuar a aprender, crescer e evoluir.
(© DR - Aguille de Argentiere, Chamonix, France - Crédito: Jon Griffiths)
Na tua perspetiva, sentes que a indústria da escalada apoia suficientemente as escaladoras no processo da maternidade?
Há definitivamente progresso, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Tenho tido um apoio incrível até agora, mas o futuro é incerto. Sei que muitos nomes de peso femininos foram descartados. Existem mães bem-sucedidas e visíveis, mas essas são as mulheres que vemos; não vemos todas as mulheres que se tornam invisíveis depois de terem um filho. A indústria ainda está, em grande parte, muito orientada para a performance, e nem sempre há espaço nessa narrativa para o que a maternidade precoce na prática é, para alguém do nosso ramo.
Gostava de ver mais narrativas distintas, não falo dos clichês como “olha, ela voltou e está a partir tudo!” mas a verdade sobre esse processo: os retrocessos, as mudanças do corpo, as mudanças de identidade, o ato de equilíbrio. Também gostava de ver reflexos na melhoria das infraestruturas, rocódromos com opções de creche, eventos de escalada que acolham famílias, marcas que compreendam os tempos pós-parto.
O que me dá esperança é o número de mulheres que partilham as suas histórias e desafiam o que são estas definições preconceituosas de sucesso. O panorama está a mudar, só é preciso continuar a fazer esforços para que a mudança continue a ganhar força.
(© DR - Salathe Headwall Free 5.13, Yosemite, EUA - Crédito: Jonny Baker)
És treinadora e gostas de discutir e desconstruir conceitos errados. Na tua opinião, quais são os principais “mitos” que enganam os escaladores nos dias de hoje?
Um dos maiores erros é pensar que o treino físico é tudo o que precisas. Não me interpretes mal — força e condicionamento são importantes — mas muitos escaladores subestimam imenso o papel do mental e da gestão do medo. Podes ser incrivelmente forte e, ainda assim, não renderes se não souberes como focar a atenção quando realmente precisas.
Outro mito comum é sobre o medo, que na perspectiva da maior parte das pessoas é algo que tem que ser ultrapassado ou ignorado. Vejo escaladores a obrigarem a expor-se a situações que são demasiado stressantes para a sua capacidade e preparação, e pensam que estão, com isso, a construir coragem. Mas, na realidade, estão só a reforçar padrões de medo. Eu acredito que o verdadeiro progresso aparece quando aceitas que tens de trabalhar com o medo, não contra ele — perceber a tua janela de tolerância e ampliá-la gradualmente com intenção e consciência. Não é um processo fácil, e por isso gosto muito do assunto e desenhei um curso online completo sobre este tema.
(© DR)
Como comparas a escalada tradicional no Reino Unido com o resto do mundo?
A escalada tradicional no Reino Unido é definitivamente um mundo à parte. O estilo é, na sua essência, muito mais aventureiro, a proteção é mais “apimentada”, porque de forma geral há menos fissuras e chapas, e há uma apreciação cultural profunda pela audácia e desafio. As nossas falésias são pequenas, mas as proteções são extremamente afastadas, sempre com grande potencial para quedas e rocha solta. Nem sempre é assim, e às vezes a noção de perigo está um pouco ampliada e exagerada, mas é uma característica, sim.
(© DR - Day Canyon, Utah, EUA - Crédito: Cameron Maier)
Hoje, estás ocupada a terminar o teu mestrado em neurociência e psicologia, enquanto crias a Aliette e dedicas muito do teu tempo a dar coaching na Strong Mind. O que é que as ninfas da falésia te têm cantado?
Estamos a planear uma viagem mais focada ao Canadá e aos EUA ainda este ano, o que me entusiasma muito. Provavelmente, vou tentar encontrar alguns mini-projetos de clássica por lá. Também tenho alguns pequenos projetos inacabados perto de casa, aos quais devo voltar quando tiver tempo para eles, e a longo prazo, ainda preciso de encontrar o meu equilíbrio entre a maternidade e a escalada. Preciso de perceber se quero continuar a apertar em projetos difíceis, o que, claro, também vai depender do nível de apoio que recebo dos meus patrocinadores, etc. Quero também acabar os meus estudos, escrever um livro e continuar a ensinar!
Agradecimentos:
Hazel Findlay, pelo conteúdo fotográfico dispensado para este artigo.
Créditos adicionais:
Imagem de capa - Magic Line 5.14c, Yosemite, EUA - Jacopo Larcher